Meus queridos,
Desculpe os últimos meses de
ausência física, de afetos e de palavras. Às vezes é preciso se afastar, tomar
espaço e respirar.
Tenho feito um caminho. Comprei
uma passagem e fiz uma viagem de autoconhecimento. Conheci a terra que dizem
ser das pessoas frias e que por ironia do destino encontrei calor e carinho. Lá
percebi duas coisas, primeiro que não dá pra ficar sem isso, calor é
fundamental e carinho constitucional; segundo, que mesmo tendo encontrado
pessoas tão especiais pude reafirmar que sou minha melhor companhia, no fundo
só tenho a mim mesma. E que bom que me tenho.
O bom de viajar é poder se
deparar com o óbvio que de tão óbvio não enxergamos: o mundo é muito grande e
nele cabe muita coisa. Isso me assustou, senti na pele o quão pequena sou perto
de tudo que está por ai.
As circunstâncias me levaram até
uma outra parte do mundo que estava escondida. A parte do avesso. Estou re-conhecendo
e aprendendo a lidar com esse avesso há seis meses, metade de uma ano, muito
tempo. Solidão tem sido o sentimento presente nesses meses.
Foi necessário e vital me afastar
de vocês. Não me entendam mal, sou muito grata a cada um, mas não tem como
mergulhar no meu mar estando de boia. Vocês são minhas boias, mas eu precisava
afundar.
Precisei de tempo e espaço para
poder pensar e sentir, nada mais que isso. Pensei muito em quem eu sou, quem eu
quero ser, o que eu represento para quem me é importante. Não sou
insubstituível, que bom. Que alivio.
Depois de um longo mergulho vem
uma respiração profunda. Tempo de sentir. Tenho estado muito mais sensível. Esse
lindo, grande e cruel mundo tem me doído tanto. A dor do outro tem me comovido.
Tenho vivido um momento muito
importante da minha existência. Momento de transformação, veja o peso dessa
palavra, ela é maior e mais densa que simples mudança. É tempo de escolhas, de
renuncias, de me fazer, me tornar e ser gente. Transformar. Transmutar.
Transcender. Ir além, de mim e do que esperam de mim.
Junto a isso tudo, no meio de
toda essa história, há um personagem muito importante, um anjo que veio mostrar
que tudo de mais valioso que existe neste mundo é o amor.
Só.
Simples assim.
Veja bem, fui testemunha de que o
amor pode transformar uma vida. E isso é uma coisa muito grande. Cada um só
pode dar aquilo que tem. No entanto, o pouco que se tem, se dado com amor, pode
ser tudo para um outro alguém.
Amor vale a pena. Transcende
existências. O amor salva vidas.
É uma história que ainda não teve
o seu fim escrito, tudo pode acontecer. É angustiante pensar isso, ainda mais
para uma pessoa como eu que sempre gosta de ter o controle sobre tudo. Não
tenho controle de nada. Como lidar com isso? Aprendendo a arte do
desapego.
Desapego não significa desamor,
ao contrario, desapego é uma forma de amor. É liberdade e é escolha. É
reconhecer que somos muito pequenos diante de tudo que existe no universo.
Quando chega esse momento na vida, torna-se fundamental lidar com o nosso
egoísmo primário, nosso ego sedento de atenção e preenchimento. É preciso deixar
ir. Deixar chegar. Estar aberto. Disposto.
Esse texto demorou meses para ser
gerado. Foi um parto. Começou bem pessimista, triste até, e terminou falando de
amor e liberdade, para mim, as principais coisas da vida. Fica um sentimento de
transcendência. Fui além de mim mesma. Sou outra pessoa diferente daquela que
no primeiro dia do ano comprou a passagem e foi atrás de sonhos. Que bom que
mudei, só evolui quem consegue desprender de crenças, gostos, pessoas. É um
caminho, um longo caminho.
Hoje, dia quinze de junho de dois
mil e quinze, encerro um ciclo na minha existência. Hoje me proponho a começar
um novo caminho com mais coragem e ainda mais amor. Ninguém pode escolher de
onde veio, mas podemos escolher para onde vamos. E eu, como peregrina que sou,
quero percorrer todo esse caminho, podendo me dar a liberdade de mudar de
estrada, de dizer adeus, de abrir mão, de me arriscar em atalhos, sempre com
esperança no peito, porque aprendi de forma mais cruel que a vida ta ai para
ser vivida. Vale a pena viver!
"O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e
esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e
depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que Deus quer é ver a
gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e inda
mais alegre ainda no meio da tristeza! A vida inventa! O mais importante
e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não
foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade
maior. Viver é muito perigoso; e não é não. Nem sei explicar estas coisas. Um
sentir é o do sentente, mas outro é do sentidor."
Fragmento do livro "Grande sertão Veredas" de Guimarães
Rosa.